Domingo, 10 de Outubro de 2010

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"Não conheço estas pessoas, avó. Há quatro anos, amava-lhes rigorosamente todas as misérias e grandezas. Menti muitas vezes por causa de um deles. Telefonei centenas de vezes para casa do namorado da Leonor, em alvoroço: «Liga já à tua mãe. Eu disse-lhe que tu foste ali ao café, mas acho que ela já estranha que tu venhas passar o fim-de-semana cá a casa para afinal te meteres horas a fio no café!» Fiz quase todos os exames de matemática da Graça.

Abandonei um projecto muito bem pago, porque traíram o Nuno. Não havia nisto nenhum heroísmo. Qualquer um deles fez as mesmas coisas por mim. Até a Clara que, com os óculos muito redondos sobre a ponta do seu nariz em fio de navalha, pregava o egoísmo como fundamental princípio de organização, fez duas directas comigo, para me ajudar a acabar aquele estudo de reconversão de um quartel em escola que me daria acesso a um lugar no atelier de arquitectos onde ainda hoje estou. Era assim o mundo."

 

Inês Pedrosa, Nas tuas mãos

 

Porque há textos tão nossos que, mesmo não o sendo, têm o melhor e o pior de nós.